POR FAVOR,
NÃO FOTOGRAFE NEM FILME
A LEITURA PERFORMÁTICA.
MUITO OBRIGADA.
POR FAVOR,
NÃO FOTOGRAFE NEM FILME
A LEITURA PERFORMÁTICA.
MUITO OBRIGADA.
PAELLA
Cortando os tomates do almoço solarengo de domingo
que a mãe lhe ensinou a cozinhar sob a asa e os risos
de San Juan, para onde a dona Guadalupe se mudou
depois de o marido morrer há cinco compridos anos
e onde frequentou, às sextas, um curso grátis de escrita
poética, não a outra, porque sempre lhe interessaram
mais do que os romancistas, os poetas, que lançam
como ela dizia, palavras para a sombra e ficam à espera
não se sabe exatamente de quê, de quem, não houvesse
valor na escuridão, e onde aprendeu sobre translações
totalidade, a beleza do inútil miúdo, que a poesia diz
o que ela diz dizendo e que ela é, sem prerrogativas
o contrário do que todas as pessoas acham que ela é
como um bastão invisível pronto a acertar nos ausentes
e operacionais, Mariana bagunça depressa os cabelos
e pergunta:
— Achas que vale a pena escrever um livro de poemas?
Sacudidos os dedos, Maíra começa por cortar o pimentão
vermelho, e pensa sem demoras no último livro que leu
de Rosario Castellanos, recomendado, há alguns meses
por uma amiga de infância, e como gostou também
e muito, de Juana de Ibarbourou, como não se esqueceu
por vê-la tantas vezes em todos os lugares, da sua rosa
vertical e branca, furando discretamente o movimento
da própria continuidade, materializando, desse modo
a palavra, tão robusta como um martelo especulativo
tão reluzente e encarnada como esta verdura, curioso
aliás, como tudo continua existindo apesar do mundo
grosseiro e implacável, da superfície, e o canto grande
o que é exatamente o canto grande senão a insistência
em reinventar a vida, os pés sobre a terra, e a terra
sobre ambas as mãos, até que se endireita, suspira
e responde:
— Acho que não. Já há muitos.
UN CUADRADO BLANCO SOBRE UN FONDO BLANCO
Traducido por María Sevlever
Cuando Malevich pintaba
los pájaros eran destinados a rectángulos
y las manos de las muchachas a líneas horizontales
rojas azules verdes o amarillas
que eran los colores con los que Malevich no pintaba
pájaros o manos de muchachas
sino la sustracción entre los dos.
Notable la destreza con que Malevich suspendía
el dedo índice sobre la mesa para decir
No es más preciso pintar aquello que se ve
Pero nadie entendía a Malevich
Y Malevich se aburría.
Aspirando a la práctica de sus consideraciones
Malevich tenía los dos pies sobre un banco
cuando, una de las tardes de 1915, terminó
un cuadrado negro sobre un fondo blanco.
Fumaba un cigarrillo y dudaba:
¿Mostrarlo a los amigos, a los alumnos?
¿Exponerlo en una galería, colocarlo en un museo?
Un cuadrado negro sobre un fondo blanco.
¿Qué más podés querer, Kazimir Malevich?
Un cuadrado negro sobre un fondo blanco.
Pero Kazimir Malevich quería más:
un cuadrado blanco sobre un fondo blanco.
Se erizaron, en 1918, los pelos de Malevich
frente a esa forma que no era otra cosa
que la eliminación de todas las formas.
Malevich pensó: nunca más pinto un cuadro.
Aleksandra Ekster pensó: Malevich nunca más
pinta un cuadro. Pero Malevich pintó.
Muchos se olvidaron hasta de lo que Malevich dijo
con el dedo erguido en un atelier en Verbovka.
Les queda sólo la imagen de su índice volátil.
Algunos juran todavía haberlo oído murmurar en 1935
como si alineara la cabeza con la muerte:
Entonces tu lección, Malevich, nunca estuvo
en la eliminación de todas las formas
sino en la imposibilidad de eliminarlas.
Por eso un cuadrado blanco sobre un fondo blanco
sirve únicamente para:
a) redestinar los rectángulos a pájaros
b) abrir las paredes y desarmar todos los colores
c) entender que el grito anticipa la boca
d) diseñar bocas para el grito
e) es decir, desbocar.
A MÍMICA DAS ONÇAS
Os ameríndios não se moviam como os europeus, porque tinham o poder de ser onças. Onçar. Isto incomodava muito os europeus, que caminhavam de um modo sério e estreito. Mas o que incomodava mais os colonos era o silêncio dos ameríndios, que, por terem superpoderes, dispensavam as palavras e sobretudo a escrita. Imitavam, além disso, o modo como os europeus se moviam, porque a artificialidade do movimento, tão distante da destreza animal, lhes parecia muito engraçada.
Não havia como responder à mímica das onças, porque a um exercício mímico deve responder-se sempre, como numa breakdance battle, com outro exercício mímico. E os europeus só conheciam as palavras.
O exercício mímico vence, de resto, o exercício oratório. Foi por esta razão que o gesto concreto de Diógenes, que soltou um galo na ágora, ultrapassou a ideia comparativa de Platão.
Foi também por esta razão que a arte da performance nasceu nas Américas.
E é também por esta razão que o humor é uma forma de violência.
Cortando os tomates do almoço solarengo de domingo
que a mãe lhe ensinou a cozinhar sob a asa e os risos
de San Juan, para onde a dona Guadalupe se mudou
depois de o marido morrer há cinco compridos anos
e onde frequentou, às sextas, um curso grátis de escrita
poética, não a outra, porque sempre lhe interessaram
mais do que os romancistas, os poetas, que lançam
como ela dizia, palavras para a sombra e ficam à espera
não se sabe exatamente de quê, de quem, não houvesse
valor na escuridão, e onde aprendeu sobre translações
totalidade, a beleza do inútil miúdo, que a poesia diz
o que ela diz dizendo e que ela é, sem prerrogativas
o contrário do que todas as pessoas acham que ela é
como um bastão invisível pronto a acertar nos ausentes
e operacionais, Mariana bagunça depressa os cabelos
e pergunta:
— Achas que vale a pena escrever um livro de poemas?
Sacudidos os dedos, Maíra começa por cortar o pimentão
vermelho, e pensa sem demoras no último livro que leu
de Rosario Castellanos, recomendado, há alguns meses
por uma amiga de infância, e como gostou também
e muito, de Juana de Ibarbourou, como não se esqueceu
por vê-la tantas vezes em todos os lugares, da sua rosa
vertical e branca, furando discretamente o movimento
da própria continuidade, materializando, desse modo
a palavra, tão robusta como um martelo especulativo
tão reluzente e encarnada como esta verdura, curioso
aliás, como tudo continua existindo apesar do mundo
grosseiro e implacável, da superfície, e o canto grande
o que é exatamente o canto grande senão a insistência
em reinventar a vida, os pés sobre a terra, e a terra
sobre ambas as mãos, até que se endireita, suspira
e responde:
— Acho que não. Já há muitos.
UN CUADRADO BLANCO SOBRE UN FONDO BLANCO
Traducido por María Sevlever
Cuando Malevich pintaba
los pájaros eran destinados a rectángulos
y las manos de las muchachas a líneas horizontales
rojas azules verdes o amarillas
que eran los colores con los que Malevich no pintaba
pájaros o manos de muchachas
sino la sustracción entre los dos.
Notable la destreza con que Malevich suspendía
el dedo índice sobre la mesa para decir
No es más preciso pintar aquello que se ve
Pero nadie entendía a Malevich
Y Malevich se aburría.
Aspirando a la práctica de sus consideraciones
Malevich tenía los dos pies sobre un banco
cuando, una de las tardes de 1915, terminó
un cuadrado negro sobre un fondo blanco.
Fumaba un cigarrillo y dudaba:
¿Mostrarlo a los amigos, a los alumnos?
¿Exponerlo en una galería, colocarlo en un museo?
Un cuadrado negro sobre un fondo blanco.
¿Qué más podés querer, Kazimir Malevich?
Un cuadrado negro sobre un fondo blanco.
Pero Kazimir Malevich quería más:
un cuadrado blanco sobre un fondo blanco.
Se erizaron, en 1918, los pelos de Malevich
frente a esa forma que no era otra cosa
que la eliminación de todas las formas.
Malevich pensó: nunca más pinto un cuadro.
Aleksandra Ekster pensó: Malevich nunca más
pinta un cuadro. Pero Malevich pintó.
Muchos se olvidaron hasta de lo que Malevich dijo
con el dedo erguido en un atelier en Verbovka.
Les queda sólo la imagen de su índice volátil.
Algunos juran todavía haberlo oído murmurar en 1935
como si alineara la cabeza con la muerte:
Entonces tu lección, Malevich, nunca estuvo
en la eliminación de todas las formas
sino en la imposibilidad de eliminarlas.
Por eso un cuadrado blanco sobre un fondo blanco
sirve únicamente para:
a) redestinar los rectángulos a pájaros
b) abrir las paredes y desarmar todos los colores
c) entender que el grito anticipa la boca
d) diseñar bocas para el grito
e) es decir, desbocar.
A MÍMICA DAS ONÇAS
Os ameríndios não se moviam como os europeus, porque tinham o poder de ser onças. Onçar. Isto incomodava muito os europeus, que caminhavam de um modo sério e estreito. Mas o que incomodava mais os colonos era o silêncio dos ameríndios, que, por terem superpoderes, dispensavam as palavras e sobretudo a escrita. Imitavam, além disso, o modo como os europeus se moviam, porque a artificialidade do movimento, tão distante da destreza animal, lhes parecia muito engraçada.
Não havia como responder à mímica das onças, porque a um exercício mímico deve responder-se sempre, como numa breakdance battle, com outro exercício mímico. E os europeus só conheciam as palavras.
O exercício mímico vence, de resto, o exercício oratório. Foi por esta razão que o gesto concreto de Diógenes, que soltou um galo na ágora, ultrapassou a ideia comparativa de Platão.
Foi também por esta razão que a arte da performance nasceu nas Américas.
E é também por esta razão que o humor é uma forma de violência.
MANUAL PARA DECAPITAR HÉROES
Traducido por María Sevlever
Acercate, inhalá y cortá tal machetazo
en lo que soporta el busto, que cuando la cabeza caiga
te sobre todavía tiempo para los escombros. Comenzá
por abajo, en el sentido que mejor te parezca
y no te asustes, porque hay, en la cesura, un encuentro
con las partes. Lo que se desarma no es la tradición
sino la fábrica del pasado. Cercená sin parar
al monstruo por la raíz, y si te escupen
adelantá, mostrando los dientes, la mordida.
Si te faltara fuerza, descansá el brazo, reposá
el ojo con que escuchás el principio. Y de vuelta
al disponer ambos pies sobre los bordes del pedestal
tené cautela. No es la tradición que se desarma, o la lisura
pero es mucho lo que se transforma. ¿Hace cuántas palabras,
al final, firmaron ellos las pautas y la praxis?
Ahora que diste la espalda a la pelea y el corazón
a la demanda, percibís cómo el golpe predice el borde
variado y desconocido, de la máquina, que a la máquina
sucederán la boca y las lenguas, el gesto y los cuerpos
a medialuz. Al designio de la invención seguirá,
a su turno, la vida. Y, como un susto, la vida
no se prevé. Cabelleras, guirnaldas y lomos rodarán
porque a la historia le agradan las piruetas, para el museo
de las cosas amorfas. Augurios de lado, el canto se hace
de oído pegado a la tierra. Inclinate, por eso, hasta
la oscilación vaga y firme de lo hallado. Aprendé
tan cerca de la muerte, la tonada circular del recomienzo
y escuchá cómo, en la caída estirada de los gigantes de piedra
surgen plantas y grillos en un reino de guijarros.
Si hablaran, ¿en qué tiempo del tiempo les hablarías?
1* edición. 40 objectos.
|
2ª edición. 45 objectos.
|
3ª edición. 70 objectos.
PORTUGAL
Visual poem. 2019
Published in Portugal (BUALA, 2020; Impérios, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, 2020).
Presented in Mexico (2019), the US (2019) and Portugal (2019)
Visual poem. 2019
Published in Portugal (BUALA, 2020; Impérios, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, 2020).
Presented in Mexico (2019), the US (2019) and Portugal (2019)
PIXO
Visual poem. 2020
Visual poem calked from the pichação made on the group sculpture of Priest António Vieira and three Amerindian children. June 2020. Original photo by Marco Fidalgo.
This group sculpture was built and installed in Lisbon by Câmara Municipal de Lisboa in 2017. In June of 2020, an anonymous group of people intervened in the same group sculpture by covering António Vieira's face, drawing three hearts over the chests of the Amerindian children, and writing on the bottom of the group sculpture "DESCOLONIZA" (decolonize).
NÃO
Videopoem. 2020
TEXT, ANIMATION, AND MUSIC Patrícia Lino
Published in Sweden (Língua-Lugar, 2021)
Videopoem. 2020
TEXT, ANIMATION, AND MUSIC Patrícia Lino
Published in Sweden (Língua-Lugar, 2021)
PATRÍCIA LINO. AUTORRETRATO COM FUTURO. 2021.
TEXT, VIDEO, ANIMATION, VOICE AND MUSIC Patrícia Lino
Published in Brazil (Ouriço, 2021)
Screened in the US, Brazil, Portugal, and Spain
PATRÍCIA LINO. ELA. 2022
POEM Maria Firmina dos Reis
VIDEO, ANIMATION, VOICE AND MUSIC Patrícia Lino
Exhibited in FLIP — Festival Literário Internacional de Paraty
Brasil. November 2022
QUANDO ELES DIZEM QUE NÃO GOSTAM DOS POEMAS
Eu lamento tudo chorando e gemendo, arranco os cabelos
arrasto-me pelas ruas da cidade, fumo consideravelmente
mais, arranho braços e pernas, exagero nas bebidas e nos
amores, perco o apetite, peso e músculo, esperança e brio.
Isto, oh, para não falar de como não escrevo rigorosamente
nada, durante dias, carpindo e lamuriando, como um cão
aflito e desgostoso, até lentamente desembocar, tombada
junto às bravas ondas do Pacífico, onde pergunto, quase
gritando, como Ulisses perguntou às gaivotas de Ogígia:
— Gaivotas, porquê eu, porquê eu?
eu patrícia lino de águas santas porto portugal mulher dedicadíssima
aos fazeres de uma vida socialmente inútil nímia & ilustre observadora
do dia a dia intranscendente pertenço à geração moça irreal + hype
de um país onde não vivo que me estranha e obriga à recusa do bonito
exercício ensimesmado dos meus contemporâneos eu patrícia donzela
das ideias em pé engoli prolífica o verso arbitrário e o coro apessoado
e não cumprirei as regras não beberei do lindo cálice até à palmadinha
sórdida na nuca trigueira ao aplauso inchado das belas massas agitadas
eu lino seguro sobre estas ancas endiabradas um punhal brilhante único
e o espanto apocalíptico de que não há quem me livre desta fome histórica
AMOR TRANSATLÂNTICO
Diz-lhe que volto hoje para casa.
Assim que chegar, pulando o portão
depois da alegria desenfreada dos cães
baterei à porta. Uma sílaba gigante.
Olhar-me-á com espanto, envelhecemos
as duas, tão depressa. Mãe.
Diz-lhe que volto amanhã para casa
e que a California me atrasou.
Assim que chegar, tocando à campainha
depois da alegria desenfreada dos cães
ela abrirá a porta. Uma sílaba tremenda.
Mãe. Toca-me sempre o rosto três vezes
para ver se existo. Não existo.
Diz-lhe que volto para casa mês que vem
e que a América do Sul me atrasou.
Ela estará à minha espera, sorrindo:
entre a alegria desenfreada dos cães
perguntará pelo que vi e escrevi.
São Paulo, Santiago, Bogotá
mil engenhos verbais, estudos
anatómicos, ruidosos, atómicos.
Sílaba extensa, um amor transatlântico.
“Não há vida para tantos incêndios”
dirá a mãe. “Poemas, talvez”.
Diz-lhe que volto para casa ano que vem
e que as palavras me atrasaram.
AXÉ, MUNDO
Foi com as mãos curtas e besuntadas
que agarrámos a juventude. Ariscos
propensos ao tombo, lambíamos
com pressa e língua, o amor e os quadris.
O que julgávamos ser o amor, pisava:
bota imunda, grosseira, tão enorme
surra. Não sabíamos, não era tempo
que o corpo endura e sói reinventar-se
esplêndido, como um animal liberto.
Tampouco imaginávamos que, então
moído, o coração se dilataria como uma praia.
E depois vieram o golpe, um bramido
de sereia, aliciante, brutal, e a febre.
De nada nos valeram as tisanas, sequer
o intelecto a poucos, esparsos metros
da desgraça. A carne chupava-se toda
sem soluçar, até ao tutano. Muito rápido
viramos carcaça, um traste sem forma e
bracejando, numa briga cortante e acesa
com a ruindade, perdemos a mão e a vara.
Quanto pavor da apressada bagunça, da
burla, do irreparável fracasso apontado à garganta.
Foi quando cedemos. A queda pela manhã.
Não sabíamos, não tínhamos como saber
que o amor, rasteiro e simples, aplacava
a fome, que mais tarde o aprenderíamos
como aprendemos o verbo. E a obstinada
triste perna, estremecendo ao tropeçar
não deixou de conduzir este braço que
surgido da tal escuridão, quis acenar
cinicamente ao mundo. Axé, mundo
quantas manhas mais me trarás ainda?
E o mundo soprou até à casa de onde sorríamos.
Foi quando cantámos. A gentil melodia
a abrir-se toda como ondas às palavras
colhendo umas, rechaçando outras, a vida
estirando-se ao sol, comprida, e o corpo
ao redor dela, a pô-la no regaço. Afinal
a alegria, que chega inteira, não esmaga.
O canto, essa violência afetuosa, crescerá
e eu crescerei, dançando só, ao tactear
às escuras a vida no verso designado
e ardente. Noto como caibo e entro, enfim
no fazer e na solidão. E é então que compreendo.
Quero um samba de raiz o busto do Leão
Hebreu 5k de Kavafy Vertov até à falta de visão
Quero muito escrever um conto sobre baratas
que apareça outro gato desgrenhado numa caixa de batatas
ao chegar ao teu parque de estacionamento
Quero dezoito acordes de violino e uma hora de esclarecimento
numa pastelaria com wi-fi sobre a teoria das cordas
Quero que todos saibam que eu quero saber como é quando acordas
Quero uma taça de gelatina duas colheres metálicas
o cheiro das tuas orelhas numa tarde farta de dálias
Quero muito as tuas mãos pequenas sobre a minha testa
um beijo húmido à entrada da casa e outro à saída da festa
Quero a chávena média o cobertor do lado esquerdo do sofá
dormir quero tanto dormir contigo 250g de açúcar no chá
Quero todos os lugares onde tu estás ou estiveste
que no meu funeral chores mais que todos que rasgues uma veste
Quero ir do Porto ao Haiti e escrever uma epopeia
uma lição um orgasmo um verso um sermão uma ideia
Quero a tua cabeça apenas a tua cabeça nas minhas costas
um pão com manteiga os meus lábios nas tuas unhas tortas
MEU DEUS, QUE EU NUNCA PERCA A TERNURA
Visual poem. 2019
Black pen, 1m x 70cm, the same height as the author
Published in Brazil (Escamandro, 2020)
Published in Portugal and the US (VIRADA, 2020)
Presented in the US (2019), Portugal (2019), and Cape-Verde (2020)
Visual poem. 2019
Black pen, 1m x 70cm, the same height as the author
Published in Brazil (Escamandro, 2020)
Published in Portugal and the US (VIRADA, 2020)
Presented in the US (2019), Portugal (2019), and Cape-Verde (2020)
JE NE SAIS PAS
Não sei
se a Teresa se a Marta
a Teresa é uma roda de samba
a Marta escreve em vidros embaciados
hi there why don’t you give me a call? xxx
Eu porém Patrícia não sei
comprei um lenço arrisquei-me cruzei a porta
e faltei às duas declarando rinite alérgica
Que pena que você não vem etc., etc.
as melhoras, um beijo etc., etc.
Essa rinite vai a durar a vida toda etc., etc.
é melhor parar por aqui etc., etc.
E foi às portas da livraria que fingi
assoar-me tossir tomar de uma golada
o Rinialer e pensei: há ± 2500 anos que ninguém
me ama. I don’t even know how to return a call.
Saldo 0€, telephobia o direito a estar calado,
qualquer coisa assim, trágica, como um peixinho
a treinar respiração dentro de água,
por exemplo:
Não sei
se a Teresa se a Marta
a Teresa é uma roda de samba
a Marta escreve em vidros embaciados
hi there why don’t you give me a call? xxx
Eu porém Patrícia não sei
comprei um lenço arrisquei-me cruzei a porta
e faltei às duas declarando rinite alérgica
Que pena que você não vem etc., etc.
as melhoras, um beijo etc., etc.
Essa rinite vai a durar a vida toda etc., etc.
é melhor parar por aqui etc., etc.
E foi às portas da livraria que fingi
assoar-me tossir tomar de uma golada
o Rinialer e pensei: há ± 2500 anos que ninguém
me ama. I don’t even know how to return a call.
Saldo 0€, telephobia o direito a estar calado,
qualquer coisa assim, trágica, como um peixinho
a treinar respiração dentro de água,
por exemplo:
PREOCUPAÇÃO
Cuido saber onde pôr as vírgulas
mas não cuido saber onde pôr-me
O meu braço translúcido
e plagiotrópico
reescreve a tradição
obliquamente
Chegará ainda o dia em que me elogiarão de torta
e em que eu poderei finalmente dizer
Que dores terríveis de costas
Meu deus, faz com que eu seja sempre uma poeta
terrena
Tudo
menos babaca
Nasci a 20km do Rio Douro
e hoje molho os pézinhos no Pacífico
Quem vai dizer de onde sou
depois de tantos ímanes
no frigorífico?
NO RINGUE COM A MUSA
A multidão gritou
o árbitro contou até três
a campainha soou
ela não veio
AULA DE MÚSICA Héracles chegou atrasado carregando a lira pelo jugo. Expirava furioso ao pousá-la sobre o colo quando Lino o repreendeu. Héracles endireitou-se e repetindo os gestos dos companheiros tocou o primeiro acorde. A lira vibrava em desespero Orfeu e Tâmiris suspiraram. Lino interrompeu a pequena orquestra e depois de encaminhar-se sorridente para Héracles acomodou-lhe os enormes e desastrosos dedos entre as seis cordas. Pediu-lhe que tocasse de novo. Héracles tocou. Lino, filho de Urânia e Apolo inventor da melodia vencedor dos jogos dos Argivos o primeiro a cantar ao som da harpa moveu então para cima o indicador mastodôntico do filho de Zeus sem antecipar porém que o estudante se levantaria. Héracles levantou-se, o professor encolheu-se perante o seu braço musculado erguendo a pequena lira no ar. Lino pôde soltar três lamentos inaudíveis até que Héracles o esmagasse. Orfeu e Tâmiris correram em seu socorro lira e cabeça abertas ao meio pois não perde sempre a delicadeza para a força bruta? E a Grécia chorava. |
OUTROS PROBLEMAS DA POESIA Não me leva a jantar fora, tampouco me traz o amor do pai E são poucos os que gostam dela praticamente nenhuns menos ainda os que a entendem ou os que escrevem para melhor entendê-la Entre os três estimo sobretudo os últimos porque mais prescindível do que escrever poesia é escrever sobre ela Não vem quando lhe peço nem vai quando lhe digo jamais dará conta do meu desaparecimento porque ela existe para si como a negação positiva de si mesma transando unicamente com o irregular Não viverei mais por escrevê-la, ela não nos salvará do mau fígado, do melanoma, do acidente nem pagará a gasolina, muito menos a renda E são realmente poucos os que gostam menos do que os que fingem lê-la Mas ela é o baque o preço irreparável da beleza porque a beleza nos custa quase tudo menos a teimosia do canto e a óbvia tão grande queda para o humor |